domingo, 27 de maio de 2012

Artigo




O ERRO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM[1]
Giuliana Campos Mendes Moura
Laruna Carrara do Carmo


RESUMO: Este ensaio é produto do estudo bibliográfico realizado por nós em conjunto com as experiências vividas durante a execução dos estágios curriculares que se deram dentro de sala de aula e junto aos gestores. Além dos estágios, a vivência em sala de aula, dentro da rede pública de ensino da qual fazemos parte como professores em contrato especial enriqueceram ainda mais as significações aqui apresentadas. Inicialmente definiremos o verbo errar e a palavra erro segundo o seu conceito na língua portuguesa. Num segundo momento trataremos do erro no contexto escolar e sua associação ao fracasso escolar. Depois, pretendemos analisar as ações possíveis do educador frente ao erro do seu aluno. Em seguida concluiremos com uma reflexão da avaliação formativa, a qual se apresenta como interessante possibilidade apresentada à educação pública especialmente no ensino fundamental.

Palavras-chave: Erro. Fracasso escolar. Ensino Aprendizagem. Exclusão.

INTRODUÇÃO: Embora grandes mudanças venham acontecendo dentro do sistema educacional brasileiro, (principalmente aquelas asseguradas pela Constituição da República e pela LDBEN) e, partindo das novas metas traçadas pelo PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) e dos modelos paradigmáticos surgidos neste início de século, que visam uma educação humana, humanizada e humanizadora, as escolas – a grande maioria delas, não podemos generalizar – continuam seu trabalho enraizado às práticas tradicionalistas de ensino, em especial o sistema avaliativo. A avaliação escolar, quantitativa, baseada em notas e conceitos extraídos de provas e trabalhos que medem o quanto o aluno conseguiu absorver de um conteúdo é, indubitavelmente, um instrumento de exclusão. Esta segregação acontece dentro das instituições que deveriam incluir! Inclusão é a palavra do momento. A educação deve ser inclusiva, deve trabalhar o que o ser humano tem de melhor e aprimorar suas capacidades! Porém, marginaliza aqueles que não se adaptam, fortalece as relações de poder deste sistema, silencia pessoas e despoja suas culturas. A educação se mantém assim, homogeneizante, formadora de pares iguais. O nosso objetivo, contudo, é refletir sobre como o errar tem sido tratado nas escolas pelos professores, tanto quanto a eficiência dos testes e avaliações e sua eficácia quanto à medição quantitativa do aprendizado alcançado pelos alunos e seus conhecimentos adquiridos.


O conceito de errar e a sociedade

Errar é, segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “cometer erro, enganar-se, não acertar, falhar” e ainda sobre outras expectativas pode ser “percorrer, vagar”. No momento, estas últimas sentenças não nos interessam, pois aqui focaremos no erro no sentido das quatro primeiras expressões e como estas são critérios de exclusão humana, social, convivencional, de relações e finalmente da exclusão escolar. Erro, por sua vez, significa “ato ou efeito de errar, juízo falso, incorreção, desvio do bom caminho”.
Vivemos em uma sociedade capitalista, a saber, excludente e consumista, e dentro desta sociedade, deste grupo, quem erra sofre sansões. Nesta direção (e completando as ideias acima) errar significa desobedecer a padrões pré-estabelecidos por alguém, um líder, um grupo de pessoas, uma cultura. Durkheim já falava do exercício de coerção aplicado sobre os indivíduos que não se conformavam ou se opunham às regras pré-existentes. E, infelizmente, este modelo de sociedade é facilmente refletido em nossas escolas. Errar dentro das instituições escolares é avançar para o fracasso tanto institucional, quanto de vida.

A escola tradicional, o erro e os caminhos possíveis

Nesta escola tradicional que caminhou por séculos e séculos e que ainda (apesar de muitas mudanças) se encontra enraizada em nossas práticas educativas, o erro é fatalmente indício que conduz ao fracasso escolar porque tende a avaliar quantitativamente, dentro das disciplinas ministradas, reduzidas e fragmentadas, apenas o que foi absorvido pelos alunos, ou seja, é baseada em resultados; confirmando como bom aluno aquele que se adaptou sem restrições aos modelos homogeneizantes e uniformizadores de ensino. Então quer dizer que “são bons alunos aqueles que se adaptam a um sistema de ensino igual para todos” e maus alunos aqueles que não conseguiram assimilar os conteúdos ministrados pela forma única trazida pelo professor.
As críticas ao modelo tradicionalista da educação bancária prenunciada por Freire na década de 1980 é tão atual que nos leva a questionar que tipo de educação queremos e a idealizar instituições mais humanas e humanizadoras.
Voltando ao erro, é fato que este está intimamente ligado à avaliação e embora surjam novas metodologias e práticas educativas, o processo de avaliação baseado em testes, notas e conceitos ainda persiste. E junto à avaliação, o erro é instrumento de exclusão dentro do contexto escolar, funciona como ferramenta cruel marcando a vida escolar de alunos que, na verdade tem muito de especial, são seres humanos, marcados apenas por não se encaixarem em um modelo padrão exigido pelo professor, instituição e colegas.
É ainda possível ver o erro relacionado ao poder exercido pelo professor, aqui, a punição para quem erra também são notas baixas, conceitos fracos que trazem consigo a baixa autoestima e mais uma vez o fracasso escolar.
O professor pode adotar caminhos diferentes frente ao erro: aceitar o erro e assim o seu aluno como incapaz, pode ficar indiferente ou tornar o erro parte do processo de ensino-aprendizagem.
O que propomos é que diante do erro seja feita uma retomada do percurso, instigando novos questionamentos, novas investigações e investigações do caminho antes percorrido e da autoavaliação, tornando a avaliação (e em conseqüência o erro) parte do processo de ensino e aprendizagem e não o seu fim.
Não é nosso objetivo exaltar um ou outro método como melhor forma de ensinar, mas podemos chegar ao consenso que a junção de pontos positivos de vários deles poderá compor uma metodologia que promova o sucesso da diversidade de que o educador encontra dentro da sala de aula. Quando Zabala (1998, p.34) escreveu que
“as aprendizagens dependem das características singulares de cada um dos aprendizes; [que as aprendizagens] correspondem, em grande parte, às experiências que cada um viveu desde o nascimento; a forma como se aprende e o ritmo de aprendizagem varia segundo as capacidades, motivações e interesses de cada um dos meninos e meninas; enfim, a maneira e a forma como de produzem as aprendizagens são o resultado de processos que sempre são singulares e pessoais”,
estava justamente concluindo o quanto é único o modo com que cada ser aprende, sendo impossível um modelo único a um grupo diverso.
A educação, assim como o mundo à sua volta tem evoluído com o passar dos anos, não no mesmo compasso das tecnologias e da ciência, mas pudemos deixar uma educação estritamente centrada no professor para alcançar uma educação que considere algumas necessidades dos educandos; há, contudo, muitas questões a serem pensadas e relacionadas.
Zabala (1998, p.36) explicita como se dá o processo de aprendizagem pela criança, na concepção construtivista: segundo este autor o processo é construído de acordo com os conhecimentos anteriores e pode ser comparado a uma subida de degraus que, partindo do piso inferior (conhecimentos prévios e simples) se alcançará o alto (conhecimentos complexos e superiores).
Outra autora, Jussara Hoffmann (1993, p.66) trás um exemplo que ilustra claramente como se dá este processo, em que uma criança, que ao definir a palavra “desmatamento” faz uma associação com outras expressões já conhecidas por ela: “des-matar” significaria tornar-se vivo novamente. Analisando que esta interpretação foi baseada em outras palavras como desarrumar e despentear, seu conceito estaria certo. Este tipo de caso é citado pela autora como “erro construtivo” e faz todo o sentido quando é analisado do ponto de vista da criança.
É considerável que cada vez mais autores relacionem o processo de aprendizagem com a autoestima, o autoconceito, a autoconfiança e a motivação, igualmente ligados à afetividade. Edgar Morin, Augusto Cury, Jaques Delors e Jorge Thums são autores que fazem referencia a uma educação que contemple as novas necessidades do ser humano neste milênio. Jorge Thums (2003, p. 38) diz que “o conhecimento humano é percepção e sentimento” e como estes nunca se findam, nunca se concluem, nunca estão acabados, fazem parte de toda uma vida dentro e fora da escola, existe a necessidade de um tipo de avaliação que também seja contínua, diária e que sirva para, não medir conceitos acumulados e estabelecer o fim da aprendizagem, mas nortear o educador, validar ou não sua prática, e neste sentido, encontramos a avaliação formativa, como alternativa mais interessante.
A avaliação formativa consiste no tipo de avaliação que faz parte do processo de ensino de aprendizagem, confundindo-se com seus processos. É diária, constante e não um fim, não um instrumento de medição, de classificação, de seleção. Este tipo de avaliação não é direcionado somente ao aluno, mas é usado pelo professor para redirecionar sua caminhada, refletir sobre as metodologias, refazendo, a prática numa busca constante pelo conhecimento visando sempre à formação integral do ser.
Esta avaliação se dá por fases: avaliação inicial, reguladora, final e integradora. A primeira seria uma sondagem feita pelo educador para conhecer o grupo formado pelos alunos e cada um em sua individualidade, o que cada um sabe, suas possibilidades e que tipo de trabalho deve ser direcionado a cada aluno. Partindo daqui, haverá a necessidade de se planejar uma intervenção que atenda a necessidade de cada educando, que contemplem o grupo e os indivíduos na sua singularidade, mas que seja flexível para se adaptar a possíveis necessidades apresentadas durante o percurso (avaliação reguladora). O professor pode se valer de relatórios que facilitam a análise de resultados (avaliação final) julgando o que deu certo e o que precisa ser refeito, retomando, para, só assim, chegar à avaliação integradora.
Esse tipo de prática permite o aperfeiçoamento constante do educador e de sua prática e o que mais nos interessa (segundo nosso tema) o erro não tem aqui sinônimo de incapacidade e de fracasso.

CONCLUSÃO

As reflexões apresentadas neste artigo representam uma fração de todo um conhecimento construído ao longo de nossa jornada como universitários, formadores e educadores atuantes no nosso meio social e idealizadores de uma escola para as pessoas e das pessoas. Acreditamos que é possível uma escola que inclua o “todo” que seja realmente formado por todos os cidadãos. Acreditamos que o erro que exclui, que fracassa, que extenua os sonhos possa ser deixado de fora dos portões das instituições e que a educação possa ser composta por quem realmente acredita nela. Nesta educação, que não é ideologia, o conhecimento é construído em conjunto: colegas, professores, funcionários, comunidade escolar, pais e alunos. E que o ser humano seja visto em sua totalidade: ser integral, global, afetivo, cognitivo, motor, pessoal, social. O fracasso escolar e o erro não farão parte do cotidiano e as avaliações não terão a sua função de segregação. Desta forma será possível compor a sociedade que queremos.




REFERÊNCIAS

CURY, Augusto Jorge. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 5ªed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 19ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 28ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 27ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação: Mito e Desafio. Uma perspectiva construtivista. 10ª Ed. Porto Alegre: Educação e Realidade Revistas e Livros, 1993.

SMITH, Corinne; STRICK, Lisa. Dificuldades de Aprendizagem de A a Z . Porto Alegre: Artmed, 2001.

THUMS, Jorge. Educação dos Sentimentos. 2ª Ed. Canoas: Editora da ULBRA, 2003.

ZABALA, Antoni. A Prática Educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.




[1] Artigo apresentado na Disciplina de Estágio Curricular IV ao Curso de Graduação em Pedagogia – EAD, da Universidade Luterana do Brasil, como requisito parcial para conclusão de Curso.

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